Tuesday, August 30, 2005

Paredes de Beirute.

Não consigo parar de olhar para as paredes de Beirute.
A cidade é linda. Cheia de ares europeus e influências árabes. Um lugar único.
Mas toda vez que saio são as paredes que me chamam atenção.
É nelas que está escrita a história recente desta cidade. Nelas e na cabeça de quem viveu aqui os 17 anos da guerra civil que arrasou o país.
Ninguém sabe explicar direito porque a guerra começou, nem porque acabou. Mas eles conseguem te explicar exatamente a sensação de estar dentro delas.
Combates constantes entre cristãos e muçulmanos.
Medo constante, amigos e parentes mortos. Às vezes diante dos seus próprios olhos. Franco-atiradores à espreita, em qualquer hora, em qualquer lugar. Buscando qualquer vítima. Mulheres, crianças, qualquer um.
Eu olho para todos os lados e vejo essas marcas.
Quando cheguei aqui não parecia ser verdade. Aqueles buraquinhos circulares que estão para todo o lado, contando essa história.
Tem muitos prédios abandonados, semi-destruídos. Neste a violência que assolou o lugar é muito clara. Marcas para todos os lados. Principalmente nas janelas.
Mas é mais impressionante nos prédios que ainda estão ocupados. Todos aqueles que estavam aqui antes do fim da guerra ainda carregam marcas. Às vezes tapadas por cimentos, pintadas. Mas elas estão ali. Sempre.
Numa janela no alto de um prédio dezenas de marcas. Eu me pergunto quem seriam os caras que estavam ali em cima. E quem seriam os outros?
Qual o final dessa história?
E tem muitas dessas.
Numa parede na rua dezenas de marcas. Algo muito sério aconteceu ali.
Em outro prédio a marca de uma explosão, como de um míssil.
Nenhum lugar foi poupado.
Para mim é chocante. Quando fico sabendo que morreram quase 50 mil pessoas nos 17 anos de guerra é ainda pior.
Não só pelo desperdício de vidas humanas. Mas por pensar que no Brasil esse é aproximadamente o número de homicídios anual.
Aí dá para entender como os libaneses levaram a vida por este período tão longo.
A gente se acostuma. Se acostuma com tudo.
A diferença é que não temos marcas nas paredes para nos lembrar.

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