Tuesday, August 30, 2005

O papo pequeno.

Eu sou muito mais interessante em português.
Isso pode ou não ser verdade, mas essa é a minha sensação.
O problema é que as aulinhas de inglês não nos preparam para sermos interessantes.
Somos treinados para ser uma figura esquemática de ser humano. Sem opiniões ou vontades.
Elas ajudam a oferecer copos de café e pedaços de bolo. A perguntar que horas são e onde eu pego o trem para o aeroporto.
Mas me pegam de jeito e começam a falar sobre futebol.
Como caramba se fala meia-esquerda em inglês? Half-Left ou half-sock? Não vem nada. A sensação é péssima.
Como se fala lençol (não aquele de usar na cama - já imaginou você dizendo que "the player made a bed linen on his adversary"). Tocar de letra, embaixada, firula, cera... Não faço a mínima idéia de como falar essas coisas em inglês.
Neste começo de vida no exterior somos vítimas constantes do papo pequeno. Quando chega a hora de jogar conversa fora deixamos de ser profissionais sofisticados e nos transformamos em brucutus gagos.
Consigo defender brilhantemente uma campanha milionária, falar de problemas sociais no Brasil e detalhes da política externa americana.
Agora me peçam para falar sobre como é um churrasco ou sobre festa junina que não tem jeito.
Como descrever uma macarronada de domingo?
Me chamem para passar meia hora conversando banalidades sobre coisas para comprar para casa e eu vou ser a pessoa mais desinteressante do planeta. Eu nem lembro como se chama o tapete para colocar na porta de casa.
Você fica se sentindo mais ou menos como aquele personagem do antigo programa do Jô Soares (lembram quando ele era engraçado?) que levava uma invertida e só conseguia falar "Ah é, é? Ah é, é?". Aí quatro horas depois ele arrumava uma resposta brilhante.
Esses brancos vão ficando menos frenquentes e prolongados. Mas continuam assobrando minhas conversas.
Por isso eu prefiro falar sobre os rumos do capitalismo num contexto de revolução dos meios de produção do que da última partida da seleção.
A propósito, o tal tapete se chama door mat.
Ah é, é?
Paredes de Beirute.

Não consigo parar de olhar para as paredes de Beirute.
A cidade é linda. Cheia de ares europeus e influências árabes. Um lugar único.
Mas toda vez que saio são as paredes que me chamam atenção.
É nelas que está escrita a história recente desta cidade. Nelas e na cabeça de quem viveu aqui os 17 anos da guerra civil que arrasou o país.
Ninguém sabe explicar direito porque a guerra começou, nem porque acabou. Mas eles conseguem te explicar exatamente a sensação de estar dentro delas.
Combates constantes entre cristãos e muçulmanos.
Medo constante, amigos e parentes mortos. Às vezes diante dos seus próprios olhos. Franco-atiradores à espreita, em qualquer hora, em qualquer lugar. Buscando qualquer vítima. Mulheres, crianças, qualquer um.
Eu olho para todos os lados e vejo essas marcas.
Quando cheguei aqui não parecia ser verdade. Aqueles buraquinhos circulares que estão para todo o lado, contando essa história.
Tem muitos prédios abandonados, semi-destruídos. Neste a violência que assolou o lugar é muito clara. Marcas para todos os lados. Principalmente nas janelas.
Mas é mais impressionante nos prédios que ainda estão ocupados. Todos aqueles que estavam aqui antes do fim da guerra ainda carregam marcas. Às vezes tapadas por cimentos, pintadas. Mas elas estão ali. Sempre.
Numa janela no alto de um prédio dezenas de marcas. Eu me pergunto quem seriam os caras que estavam ali em cima. E quem seriam os outros?
Qual o final dessa história?
E tem muitas dessas.
Numa parede na rua dezenas de marcas. Algo muito sério aconteceu ali.
Em outro prédio a marca de uma explosão, como de um míssil.
Nenhum lugar foi poupado.
Para mim é chocante. Quando fico sabendo que morreram quase 50 mil pessoas nos 17 anos de guerra é ainda pior.
Não só pelo desperdício de vidas humanas. Mas por pensar que no Brasil esse é aproximadamente o número de homicídios anual.
Aí dá para entender como os libaneses levaram a vida por este período tão longo.
A gente se acostuma. Se acostuma com tudo.
A diferença é que não temos marcas nas paredes para nos lembrar.

Sunday, August 28, 2005

Beirute, por favor.

Aqui estou eu, na Paris do Oriente Médio. A pérola do Adriático. A cidade que deu o nome ao sanduíche mais consumido no Habib's.
Beirute é uma cidade com um monte de caras. Um mar muito bonito - claro que estar num hotel magnífico ajuda muito - e umas praias nem tanto. A cidade me parece uma mistura entre Rio, Salvador e Buenos Aires.
Um pouco da orla do Rio com seus prédios antigos, um pouco da orla de Salvador com suas curvas e faróis e aquele monte de prédios antigos e charmosos.
O povo tem cara de brasileiro - talvez porque tenha mais libaneses em São Paulo do que tem no Líbano - adora a vida noturna. E dezenas de bares que ficam aberto até altas horas comprovam isso. Também adoram comer bem - coisa que vem da influência francesa.
Eles também enchem a calçada na orla, coisa que lembra muito a vida do carioca. Mas é só olhar para as mulheres muçulmanas com seus cabelos cobertos, que aqui vestem roupas coloridas - ao contrário de Dubai em que o pretinho básico é de lei - que essa ilusão se dissipa. Estou longe de casa.
Me disseram hoje que Beirute é a única cidade no oriente médio que tem cara de Europa. E eu tenho que concordar. A cidade tem seu charme cosmopolita da velha Europa.
Mas a cidade é muito mais do que isso. É o paraíso das Mercedes e BMWs. Os locais são apaixonados por essas duas marcas e até pouco tempo elas eram a única coisa que se via nas ruas. Hoje existem outras marcas. Carro francês, japonês, coreano...
Nas ruas da cidade existem mercedes de todos os tipos. Principalmente as MUITO velhas. São taxis caindo aos pedaços e carros particulares com todos os estados de conservação. E estão por lado. Das mais novas e caras até pilhas de ferrugem que se movem não se sabe como.
Não existem carros mais ou menos novos aqui. Por mais ou menos novos entenda-se algo com até dez anos de idade.
Existe um branco entre os anos 70 e meados dos anos 90. Mercedes muito velhas e Mercedes novinhas. Eu me perguntei o porquê disso.
Guerra.
O Líbano é o primeiro país que eu visito em que posso sentir a presença real e assustadora da guerra.
Foram 17 anos de guerra civil. Uma guerra longa e suja onde nada e ninguém foi poupado. Crianças, mulheres, jovens, velhos, cristãos e muçulmanos, todos foram vítimas.
Ainda se pode ver por todos os lados os efeitos do conflito, que terminou em 1994.
São paredes marcadas por tiros por todos os lados e muitos dos prédios mais antigos. Edifícios parcialmente ou completamente destruídos que pontuam a cidade.
E como um lembrete de que ainda não é passado é o quarteirão onde aconteceu o atentado que matou recentemente o presidente Hariri.
Nem dá para descrever direito o que uma tonelada de dinamite fez nos prédios ao redor do local da explosão. Só digo que é uma destruição impressionante.
Que tipo de raiva é essa que leva alguém a algo tão extremo?
Mas o ser humano tem a capacidade de tocar o barco pra frente não importa o que aconteça. E tocar o barco pra frente é algo ainda mais fácil para este povo descendente dos Fenícios.

Friday, August 26, 2005

Homens de branco.

Nem só de trabalho vive o homem. Ele também tem que comer e dormir.
Hoje foi dia de muito trabalho. Reunião a tarde inteira para definir todos os detalhes da produção do comercial que vamos filmar a partir de domingo. É um processo longo e cansativo que diz respeito a tudo que vai aparecer no filme: elenco, figurino, locações, música, fotografia, edição e muito blá, blá, blá e "eu acho" para aqui e para lá. Muitos "eu acho" mesmo.
A sorte é que os clientes são pessoas muito, muito bacanas mesmo.
É o meu primeiro contato mais intenso com os locais de Dubai e descobri uma coisa extraordinária sobre eles:
são iguaizinhos à gente.
Estes dois especialmente são ainda mais iguais. Eu não podia imaginar quando vi os dois pela primeira vez na reunião de apresentação do filme. Eles estavam usando as roupas tradicionais locais. Ele de dish dasha (aquela roupa de milhonário do petróleo) e ela de preto com o cabelo coberto - a versão tradicional local.
Muito simpáticos, mas confesso que a roupa tradicional coloca uma distância entre nós a princípio - o que é uma besteira.
Já no aeroporto o cara me aparece de camiseta e tênis. Parecia algum amigo de faculdade.
Hoje na reunião conversei muito com eles e descobri que são gente como a gente. Gostam das mesmas coisas, são empolgados e interessantes. E mais uma coisa interessante: eles só falam inglês entre eles. Não que isso seja o padrão, mas está se tornando mais e mais normal. Não sei o que vai ser da língua árabe por aquelas bandas em algumas décadas. Já ouvi de várias fontes que está cada vez mais difícil encontrar pessoas que falam um árabe perfeito. É uma língua muito complexa e que é ainda mais difícil de se escreverm e ler. Vamos ver o que o tempo vai nos dizer.
Só sei que a gente descobre nestas nossas andanças que tem uma galera gente boa para todo lado.

Thursday, August 25, 2005

Beirute hoje.

E o melhor de tudo, super hotel, quarto bacana e...internet de graça no quarto!
Este post está sendo digitado direto da pérola do Adriático, a Paris do Oriente Médio.
Cheguei aqui de business class, que realmente é um outro mundo.
Dá para entender porque muita gente nunca mais consegue voltar atrás depois do upgrade.
Esse não é o meu problema, porque gastar mil doletas a mais para poder esticar as pernas e tomar uns vinhos 3/4 de boca (não são tão ruins assim) não me faz a cabeça.
Mas aqui estou eu, no Líbano.
Diferente de Dubai, aqui as coisas tem uma cara de Brasil. Beirute fica em um morro que termina no mar, tem um jeito meio Rio e meio Salvador, com brimos para todos os lados, é claro. O trânsito também é bem Brasil - uma zona.
Cheguei aqui à noite, por isso vou dar minhas impressões mais profundas amanhã, quando experimentar o visual da cidade à luz do dia.
Amanhã tem mais.
De viagem marcada.

Estou viajando hoje para o Líbano. Vamos filmar um comercial em Beirute e depois seguimos para Amsterdam para a finalização do material.
Vai ser uma loucura porque ao mesmo tempo em que estou lá vou ter que criar a campanha da concorrência de Emirates.
Ou seja, nada de férias.
Trabalhar neste projeto à distância vai ser difícil mas tem que funcionar. A pressão para entregar algo outstanding e logo é imensa.
Bom, se eu queria aventuras, aí estão elas. Aos montes e se sem parar.
Não sei se vou conseguir conectar logo e mandar mais notícias pelo blog. Mas tenho certeza que vou ter dúzias de histórias novas para contar quando voltar.
Torçam por mim.
E que a Força esteja com vocês.

Wednesday, August 24, 2005

Enfim eles.

Ontem fui para Abu Dhabi. Uma viagem de 140km para ir e o mesmo para voltar.
Tinha que mandar uma procuração para o Brasil e a única maneira de fazer isso é visitando a embaixada brasileira.
Me preparei muito bem. Procurei mapas da cidade na internet, fiz meu itinerário certinho e memorizei o endereço.
Não era para ter erro. Era só ir até a rua 5 (as ruas lá são numeradas) e achar a embaixada.
Uma hora e meia perdido no meio da cidade que tem o trânsito mais lento do mundo e eu desisti e pedi arrego. Liguei para lá para conseguir umas indicações. (claro que não demorou tanto para eu ligar, mas sim para chegar. Mas para efeitos dramáticos usei o valor total)
Quem atendeu foi um cara indiano que tinha o sotaque mais carregado que eu já ouvi. E todas as indicações que ele me dava eram lugares com nomes árabes ainda mais difíceis de se entender. Uma hora me enchi e parei numa ruazinha e abandonei o carro. De pergunta em pergunta fui me aproximando de lugares com nomes que lembravam aquela coisas incompreensíveis que o indiano falava. Algum tempo e muito suor depois avisto a abençoada bandeira da pátria mãe tupiniquim.
Lá dentro o indiano e uns folhetos cheios de mulheres de tangas dos anos 80 e opalas parados no pelourinho. Tudo com cara de velho. Mas essa era só a entradinha da embaixada, lá dentro era outra história.
Muito tempo depois o embaixador em pessoa apareceu e me convidou para um café. Eu e uma mulher doidinha vinda direto de Itu. Uma decoradora de uns 55 anos que se converteu ao islamismo depois de arrumar um amigo muçulmano pela internet. Largou tudo e veio para Abu Dhabi na louca total.
E como falava. Nunca vi igual. A história dela demorou umas 2 horas, só parou quando o embaixador apareceu. Eu não tenho certeza, mas juraria que ela não respirava para falar. Não tinha interrupções.
O nosso café com o embaixador foi muito bacana. Nada como estar em contato com a nata da diplomacia brasileira. Uns caras com um formação sólida. Político e homem de negócios desterrado há muitas décadas. Um mundo com o qual não temos muito contato e que é muito interessante.
Com a procuração na mão e com aquela sensação maravilhosa de ter passado mais de 2 horas pessoas falando em português - vocês não têm idéia como faz bem para os ouvidos - tomei o caminho da roça. Desta vez não teve erro.
Isto resumiria minha aventura do dia 23 se não tivesse passado por uma experiência única e tão esperada.
Enquanto pegava a estrada para Abu Dhabi lá estavam eles.
E não poucos. Dezenas. Para todos os lados, como se estivessem esperando o momento de fazer sua aparição triunfal.
No meio de uma área imensa do deserto estavam, enfim, os camelos.
VINI, VIDI

Monday, August 22, 2005

Nos termômetros oficiais, 42 graus.

A temperatura aqui nunca passa dos 45 graus. Oficialmente.
Oficialmente, por lei, se ela passar dos 50 graus ninguém deve ir trabalhar. Não só os trabalhadores braçais que estão erguendo edifícios gigantes para todos os lados, mas também a galera do ar-condicionado. Não me perguntem por quê.
Talvez a visão de um dia tão quente possa afetar nosso sensível sistema nervoso.
Mas o fato é que a temperatura NUNCA chegou a passar dos 50 graus aqui em Dubai. Oficialmente.
Semana passada eu experimentei o que é um vento de 52 graus - e não estou falando da direção.
Um vento que não devia estar lá. Oficialmente.
Eu respeito os caras que se estabeleceram aqui há séculos, muito antes que a mente do mais desvairado escritor de literatura fantástica sequer imaginasse que um dia existiria essa unidade portátil de clima suiço.
E respeito ainda mais os carinhas que aguentam - ou por opção ou por falta dela - trabalhar lá fora nos oficiais 42 graus, e sabendo que existe um mundo muito confortável sendo criado nas caixas de aço e vidro que eles estão construindo.

Thursday, August 18, 2005

Ontem eu fui comer em um restaurante libanês. É sempre bom sair deste maldito edifício onde só tem comida ruim e/ou cara.
Todos os restaurantes aqui são frescos. Também pudera, as Emirates Towers são o lugar mais caro e nobre de Dubai...quem mandou?
Fui com dois caras aqui da agência, o Nadim e o Wissam. Quando chegamos lá abri a porta do taxi em que fomos e experimentei um daqueles momentos em que você realmente sente que está em um outro planeta.
A sensação foi de estar de cara para o exaustor de um caminhão. Um vento muito forte e quente como eu nunca tinha visto.
Não parecia real, mas é o vento seco do meio do verão. Uma coisa inacreditável, que parece filme de ficção científica.
Nessa horas você pára e pensa: "Totó, parece que não estamos mais no Kansas".
Como será que a civilização conseguiu se desenvolver em um lugar tão inóspito? O que fez os caras decidirem ficar por aqui?
Me faz lembrar o Agente Smith em Matrix dizendo que os seres humanos são vírus. Eles ocupam todos os espaços disponíveis, se enfiltram em todos os cantos.
Esquimós, índios, beduínos, aborígenes, polinésios...
Não tem ambiente em que o ser humano não esteja presente.
Nada mal para este macaco pelado que nós somos. Somos mais fracos, mais lentos, menos ágeis e resistentes que os outros animais. Mas estamos para todo lado.
Nada como alguns gramas a mais de massa encefálica para dominar o mundo.

Tuesday, August 16, 2005


Indo para casa e arriscando a vida, tudo no mesmo pacote.

Monday, August 15, 2005

Fatos bizarros que só acontecem para quem está no Oriente Médio:

Semana passada estávamos combinando de fazer um churrasco - seja lá o que isso signifique para os árabes - com algumas pessoas da agência. Não rolou.
Mas o que aconteceu foi que o Ramzi, do RH, disse que a gente podia fazer o tal churrasco no condomínio dele. E que lá tinha piscina resfriada!
Coisas que só fazem sentido quando você está no meio do deserto.
47 graus à sombra é para poucos...
Uma coisa muito importante que faz uma falta enorme e que não coloquei na minha lista:
amendoim japonês.
Sonâmbulos

Estava até agora há pouco conversando com minha irmãzinha Ju pelo MSN. Uma coisa legal de escrever coisas que acabaram de acontecer ajuda a gente a capturar este momento no tempo. Daqui a 5, 10, 30 anos eu vou ler estas palavras e vou sentir o gosto desta hora. É aquela sensação de achar uma foto dentro de um livro que você não vê faz tempo. Um pedaço da nossa memória que a gente não conseguia nem sabia como acessar.
A gente estava falando exatamente sobre isso. Nossa percepção do tempo e do espaço.
Coisas extraordinárias têm acontecido na minha vida ultimamente. Olhando para trás é quase impossível acreditar que tudo isso é real, que estou realmente assim. Mas quanto dura essa sensação de maravilhamento?
Quanto tempo vai demorar para que eu ache que as areias do deserto que me cercam virem uma parte do universo que eu nem mais reparo?
Quando tempo vai ser preciso para eu parar de admirar a figura única do Burj Al Arab à noite no caminho de casa?
Quanto tempo levará para eu não perceber mais esta mistura única de raças, cores, roupas, cheiros e sabores?
O triste é pensar que é da natureza do ser humano se tornar insensível a maior parte do mundo que nos cerca.
Demora algum tempo, mas a gente acaba se acostumando com tudo. Pára de perceber o quanto a vida é rica.
Saímos do trabalho e de repente estamos em casa. Do caminho, que levou uns 40 minutos, só lembramos daquele motorista corno maldito que fechou a gente. Ah, tinha que ser mulher! E só. Todo o resto é uma memória nebulosa, difícil de acessar. A monotonia da existência. Nós vivemos da diferença, da comparação e do interesse. O resto vai para uma espécie de arquivo morto.
Nós lembramos do caminho, mas não da paisagem.
O pior é quando isso acontece com as pessoas. Não percebemos o mendigo na rua, o pessoal da limpeza do prédio, as pessoas com quem não temos muita afinidade...
Mas o medo está quando paramos de perceber as pessoas que são mais importantes. E isso acontece.
Há um tempo atrás assisti um filme com o Bruce Willis - Bruce Rules! - e a Michelle Pfeiffer. História de Nós Dois - do Rob Reiner, o mesmo diretor de Harry e Sally.
O filme fala sobre a história de um relacionamento. Um relacionamento como qualquer outro e que não acaba bem.
E lá tinha uma cena que me fez pensar.
Na hora de uma crise profunda ela diz para ele que há muito tempo eles pararam de se olhar nos olhos.
E isso é verdade. Dá medo.
Por isso eu tento lutar contra nossa tendência a nos fechar dentro de nossos casulos de percepção seletiva.
Quando será que paramos de olhar para o céu à noite?
Quero continuar olhando para o deserto, indo para casa e pensar "caramba, estou do outro lado do mundo!"
A vida não é extraordinária?

Sunday, August 14, 2005


Que tal uma vista da sacada lá de casa?

E este sou eu na frente das Emirates Towers.
Se alguém queria uma prova de vida, aí está.

Uma imagem vale mais do que 1027,45 palavras, pelo câmbio do dia.
Este é o lugar onde trabalho - as Emirates Towers.
As mulheres de preto e os tons de cinza.

Existem coisas com as quais eu ainda não me acostumei. Sempre me considerei uma pessoa com a mente aberta, mas todo mundo tem o seu ponto de tensão.
Para mim é ver as mulheres com seu rosto coberto. Totalmente coberto. Mesmo aqui nas Emirates Towers elas aparecem, para comprar Cartier, Gucci e outras marcas caríssimas. Andam em bandos do Ibn Batuta Mall e em outros lugares frequentados pelos locais. Que tipo de cultura é essa que faz com que os membros de um determinado sexo tenham parte de sua individualidade escondida do resto do mundo? Que faz com que essas mulheres se transformem num que só pode ser olhada pelo seu proprietário. Aí vejo as crianças, meninas ainda com seus rostos descobertos. Quanto tempo vai demorar para que sua imagem seja escondida para sempre? Como será que as crianças vêem este futuro obscuro? Será que é justo?

Eu sempre questionei as verdades. Especialmente as minhas verdades. Minha digníssima esposa sempre me disse que eu sou do contra. Se alguém diz que existe vida em outros planetas eu digo que não e testo os limites da outra afirmação. Se alguém afirma categoricamente de que não existe prova de vida em outros planetas eu contra-ataco. Assim é a minha maneira de construir meu mundo. Uma aventura dialética interminável. É desgastante, porque no fim você acaba descobrindo que não existe verdade, mas sim verdades. E eu acabo de fazer uma afirmação muito forte - uma verdade. Será injusto questionar a validade dos costumes locais?

Vamos nos imaginar no lugar de uma sociedade extremamente, absurdamente e estranhamente liberal.
Como eles veriam nossa sociedade ocidental? Por que as mulheres têm que usar a parte de cima do biquíni nas nossas praias e piscinas? Por que a maioria das mulheres assumem os nomes de família dos maridos quando casam? Por que elas ganham menos, são promovidas menos e têm menos chances? Por que é difícil ver uma mulher rica se envolvendo com um homem mais pobre e não o inverso? Por que a maioria dos homens acha humilhante ganhar menos que a mulher - e não ser tão bem-sucedido como ela? Por que é impensável para um homem abdicar de sua carreira para cuidar dos filhos?
Como uma sociedade totalmente igualitária veria estas contradições desta nossa sociedade "moderna"?

Talvez para eles fosse tão chocante como é para mim passear pelo Ibn Batuta Mall e ver as hordas de mulheres locais na sua frenesi de consumo debaixo de seus véus. Anônimas e ocultas.

Mas aonde começa o que é certo e o que é errado? Ninguém pode dizer e todos podem dizer. A idéia de certo e errado não está escrita na matéria e nas leis do universo. É algo criado pela mente do homem. Por mais que achemos que a resposta está além de nós é a nossa decisão que faz com que eles sejam reais. E este conceito varia de cultura para cultura, de país para país, de pessoa para pessoa, de uma época para outra.

O que eu posso afirmar é o que é certo para mim agora. Eu nem tenho mais certeza do que era certo para mim no passado. Nossa mente tem a capacidade de moldar o nosso passado à semelhança do que somos hoje.

Mas, como dizia Sartre, o Homem está condenado a ser livre. Mesmo que a expressão desta liberdade seja a total ausência dela.

Ou, como dizia meu avô querido, viva e deixe os outros viverem.

Thursday, August 11, 2005

Vitrines de Dubai.

Árabes pode ser bons negociantes, mas para arrumar nomes para os seus negócios eles são ainda melhores.
Todas a lojas aqui têm nome em inglês. Muitas vezes nem o nome em árabe elas têm.
As cadeias intenacionais de lanchonetes têm logtipos tradicionais e logotipos em árabe. Bem estranho esse negócio de logotipo em árabe...
Mas as lojas locais são as melhores.
Quando passo por elas me sinto viajando por uma versão revista e ampliada do Shopping Interlagos ou do SP Market.
Lá tem umas marcas meia-boca que vendem produtos 1/4 de boca que tem nomes sensacionais. Coisas como Mariano Sport's, Fashion Confecções, kaiac esporte, Picadinho's...
Parece que é só colocar apóstrofe e esse que tudo fica sofisticado. Põe uma palavrinha e inglês e voi lá! Você está no Olimpo.
Nem os nossos prédios têm nome brasileiro. É nome em italiano, espanhol, francês, inglês...
Para os brasucas é impensável morar num edifício de alto-padrão chamado Nhu-Nhu Guaçu, ou Jirandaia.
Tem que ser CORAL GABLES, Chateau de Galeaucha, Villagio di Muzzarela...
Aqui é a mesma coisa. Eles adoram dar nomes estrangeiros para as coisas, mas o que eles tem de ladinos no mundo dos negócios eles os caras são ingênuos na hora de dar nomes.
São muito tontos. Loja de carros usados Good Cars. Tasty Food Restaurant. Beautiful Clothes Clothing. E por aí vai.
Faz o pessoal do shopping Interlagos parecer empresário da Oscar Freire.
Mas que os caras estão fazendo dinheiro, estão...

Wednesday, August 10, 2005


Olha só que beleza!
Eu nem bem comecei a gloriosa tarefa de municiar os senhores e senhoras com imagens e já tenho mais uma.
Hoje é dia de tempestade de areia. Não, não é daquelas que aparecem em filmes como A Múmia e que costumar arrastar caravanas de camelos para o esquecimentos - camelos aliás que continuam a ser uma mercadoria que não se encontra nas paisagens dubaianas. Essa é uma tempestade bem leve, que só muda o cenário tradicional de sol, céu azul, sol, céu azul e mais sol. A sensação é muito estranha - os nossos sentidos ainda não estão acostumados com o visual.
O ângulo é quase o mesmo, mas a garrafa d'água é outra. Apesar da umidade extraordinária lá fora aqui dentro é ar-condicionado o dia inteiro, o que tira toda umidade do ar e da nossa boca.
E quem me conhece sabe como eu gosto de falar - preciso manter o aparato lubrificado.
Assim que tiver uma tempestade que arraste meu pequeno ar-condicionado sobre rodas junto com, espero, alguns camelos, eu conto para vocês. Por enquanto vai essa amostrar grátis.

Atendendo a pedidos, muitos deles - alguns muito gentis e outros assertivos, para não dizer pentelhos - estamos começando o Dubalacobaco em imagens.
É só o começo. No fim de semana vou sair por aí e tirar foto de tudo, mas como sou muito do mal vou liberar a informação a conta-gotas, para criar a ilusão de que ando com a câmera por aí vivendo uma vida de fotógrafo de guerra, sempre preparado para registrar aqueles momentos dramáticos e marcantes.
Muitos me perguntaram como era realmente a vista aqui da minha janela. Queriam saber como era o palácio do Sheikh.
Aí vai uma amostra - em primeiro plano estão as cavalariças e a pista de corrida de cavalos particular. Na parte mais alta da imagem, pequenininho à distância, está o palácio. É enorme e é só um dos que o líder super supreme com porção extra de pepperone possui. O gramado que vocês estão vendo embaixo é parte da área das Emirates Towers, onde fica a agência. Tá bom para vocês?
Aproveitem.

Tuesday, August 09, 2005

Hoje é dia de sair mais cedo.
Fui absolutamente improdutivo. Sei lá, tem dias que não sai nenhuma idéia da caxola.
Esse foi um dia desses.
A única coisa notável, além de ter agüentado mais as reclamações com relação ao atendimento da agência das inglesas que trabalham no meu grupo foi o fato te estar envolvido em um trabalho monstruoso para Pepsi.
Eles são os patrocinadores do Big Brother/Fama do Oriente Médio e querem desenvolver uma estratégia para tomar conta do do programa e estar presente em na mídia e nos pontos de venda. Enfim, em todo lugar. É a atividade do ano para eles.
Muita responsa e eu não faço a mínima idéia por onde começar.
Bom, lembrando mais uma vez aquele texto do Wear Sunscreen, faça alguma coisa que tem medo todos os dias.
Esse projeto vai me arrumar coisas para os próximos 30 dias.
Deixa eu ir que hoje vou tentar jogar um basquetinho com o Nadim, um atendimento daqui.
Depois eu conto como foi.

Monday, August 08, 2005

Cada música tem a sua história.

Duas coisas me fizeram pensar isso. Primeiro foi ter comprado o iPod. Para quem não tem um MP3 player portátil não faz muito sentido, mas poder carregar uma tonelada de músicas com você faz uma enorme diferença. Para um solitário num país árabe faz mais ainda. Tudo bem, tudo bem, as pessoas aqui são legais mas como suas relações ainda não estão solidificadas você continua sendo um solitário uma boa parte do tempo. Principalmente nos finais de semana, onde você tem ócio de sobra para te acompanhar.
O iPod preencher os vazios da caminhada até o carro, a da hora que você passa fritando dos hambúrgueres de frango, aquela relaxada antes de dormir, as compras no supermercado e nos momentos em que você não está fazendo - nem querendo fazer - nada.
Minha Querida e Amada Adriana descreveu o iPod assim: a trilha sonora da sua vida.
E esse comentário não poderia ser mais profundo.
Tenho aqui muitas músicas - e ando canibalizando ainda mais de outros computadores.
Quando a gente ouve músicas que gostamos realmente em geral associamos com algum acontecimento em nossas vidas.
É uma delícia essa sensação de recapturar um momento perdido na curva do espaço tempo. Uma sensação breve de contato com alguém que fomos.
Mas essa sensação é abafada pelos barulhos do nosso dia-a-dia.
Mas aqui não. Os silêncios são muitos e eu consigo escutar esses Guilhermes de outrora claramente.
Light My Fire, do Doors me faz voltar ao primeiro ano da faculdade. Me faz ver o Rodrigão, a San, o Pequeno, o Fernando, a Biju e tantos outros. Sei que eles vão estar lá no CA me esperando para jogar conversa fora.
Em The Number of the Beast estou na numa danceteria em Campinas em 1984, fazendo cara de mau e fingindo não gostar de New Wave. Só indo para a pista de dança quando tocava heavy metal.
Aí vem Sweet Child O'mine e estou de volta ao quartel, saindo com a galera para desopilar a tensão acumulada e dar muitas risadas. Criando amizades que vão me acompanhar para todo o sempre. Lá estão o Colt, o Valério, o Tangão com seu Tangomóvel, o Véio, o Cássio, o DiDio, o Cyro e tantos outros...logo ali, perto do palco onde o Artigo 26 está tocando.
De repente vem In My Life dos Beatles e estou em vários lugares ao mesmo tempo. Sou o garoto magrinho (sempre ele) com uns 8 anos de idade ouvindo um vinil no Rio de Janeiro.
Toca uma do Frank Zappa e estou bêbado no carro com meu brother André. O show no Delta Blues nem começou e já estamos bêbados. Não tente fazer isso sem a ajuda de profissionais treinados.
Vem uma do Huey Lewis e estamos em Camburi, eu, o Romolo, o Russo e o Sarrafa. Porradinhas de uíque, galinhão e muitas risadas. Golfada!!!
Ao mesmo tempo estou me casando com a minha Musa e pareço o Ronie Von. Meus amigos-irmãos estão ali, apesar de ser quase impossível reconhecê-los com suas roupas dos anos 70.
Vem mais uma do Ozzie e estou andando com o meu grande irmãozinho Serafa para as nossas respectivas casas em Perdizes. Os dois lembrando de um monte de clássicos das nossas infâncias e cantando suas melodias no meio da noite.
Aí toca a pouco conhecida Hooked on the Feeling do filme Cães de Aluguel e me lembro do dia em que encontrei aquela que viria a ser minha companheira-namorado-esposa. E eu cantando para ela, desse meu jeito meio exagerado e maluco de quem não canta bem, mas adora tocar o horror no palco.
Vem Speed of Sound, do Coldplay e essa é a música de Dubai. Acho que as músicas escolhem os momentos, e não o contrário. Tem horas que elas parecem, sei lá, certas.
E essa é a trilha sonora da minha vida. Ou pelo menos parte dela.
O volume 1, acho.

Sunday, August 07, 2005

Os Dubaianos sandalhudos.

Um detalhe interessante sobre os locais é que eles adoram usar suas vestimentas tradicionais - ou dish dashas.
Eles estão para todos os lados. E como todos se vestem de branco com a peça de tecido branca na cabeça - que se chama guthra, se não me engano - todos têm a aparência de milionário do petróleo de filme de Hollywood.
É a democratização da moda. Não dá para saber se o cara é rico ou não, mas a chances são boas porque a renda per capita de Dubai, senão a mais alta está entre as maiores do mundo. A maioria deles trabalha para o governo - que paga bem e exige bem menos que a iniciativa privada. Todo local quer trabalhar para o governo.
Lembram-se daquela concorrência que atormentou minha vida por uns 10 dias? Era um trabalho para o governo de Dubai. Eles querem integrar mais os locais na setor privado - participação que atualmente é quase inexistente. Querem entender o pepino em que me meti? Vamos lá.
Eu tinha que fazer duas campanhas (isso para só um dos trabalhos, porque tinham mais 4 campanhas para outros setores do governo também) uma para convencer os empresários do setor privado a contratarem os dubaianos e outra para convencer os dubaianos a buscarem empregos no setor privado.
Problemas? Bom, os empresários acham que os locais não querem trabalhar muito, querem uma carreira rápida e salários altos.
Os dubaianos acham que as empresas do setor privado querem que eles trabalhem demais, têm um plano de carreira muito lento e pagam pouco.
Estão vendo o tamanho do meu dilema?
Soma-se isso ao prazo, apertado, à equipe desmotivada, irresponsável (não todos, mas uma boa parte) e cansada, à quantidade de trabalho que tinha de ser feita e ao fato de as campanhas terem sido bombadas 3 dias antes da apresentação - e bombadas de novo na noite anterior à apresentação. Uma noite em claro, muita tensão e um grupo de fiéis escudeiros se superando e chegamos lá. O resultado foi excelente. Teve um momento em que tive que me transformar no juiz Nicholas Marshall e fazer justiça com as próprias mãos - todas as campanhas sairam da minha cabeça - mas a equipe fez tudo acontecer.
Um pesadelo com final feliz, espero.
Mas eu me lembrei disso não só pelo fato de estar falando dos locais, mas porquê a campanha foi apresentada para locais ligados diretamente ao Sheikh Maktoon - líder supremo master-blaster com porção extra de muzzarela local. Ou seja, os caras não são fracos não!
Mas o que eu notei é que eles estavam com seus dish dashas tradicionais mas com sapatos de executivos. Isso é interessante porque a imensa maioria dos locais usam sandálias. As mulheres que frequentam as Emirates Towers, onde fica a agência, visitam as lojas do shopping center dos pisos inferiores vestidas de preto, com o cabelo e, muitas vezes, com o rosto coberto. E não ficam só andando não. Compram. E compram muito!
São lojas como Cartier, Valentino...sei lá, tudo muito caro.
No shopping Ibn Batuta tem ainda mais locais - e ainda mais mulheres totalmente cobertas. Muitas delas.
Eu vivo me perguntando como os maridos acham elas quando se separam no shopping. Vai ver que eles memorizam o formato. Ou desenvolveram bulbos olfativos comparáveis a um pastor alemão.
Talvez eles só descubram em casa. E se preferirem o material, nada de devolver.
Imagina se uma comunidade de swing existisse aqui? Os caras iam aprontar em todo lugar e ninguém ia ficar sabendo...
O mais legal é que muitas delas usam tênis. Dois mundos que não tem nada a ver: roupa preta, rosto coberto, mãos cobertas e Nike Shox prateado. Sensacional!
Mas lá vão os locais com suas sandálias, suas BMWs SUVs, suas Mercedes e outros itens de luxo.
O que eu não me conformo é que os sandalhudos tem aquele calcanhar esbranquiçado e farinhento de tio brasileiro.
Passa um cremezinho, pelo menos.
Será que é reação alérgica com tapete de carro de luxo?

Saturday, August 06, 2005

Porque lutamos.

A vida é assim. Nós não paramos para nos dar conta das coisas que acontecem na nossa vida.
Vivemos um dia depois do outro, quase por inércia.
Mas não é assim.
Eu sempre tive essa vontade de fazer sentido, de encontrar uma razão para existir, buscar respostas diferentes, viver meu tempo plenamente.
Por isso invejava meus amigos que haviam se aventurado pelo mundo na busca de um crescimento pessoal.
Eu sabia que não era fácil, por isso respeitava demais aqueles que tinham a energia e a coragem te se reinventar.
No ano passado foi a minha vez de buscar algo mais.
Saí da propaganda, montei minha empresa. Percebi que havia encontrado algo que fazia sentido.
Como eu já disse para muitos de vocês, eu adoro falar. Não é demais que as pessoas paguem para que eu faça isso?
Um novo desafio, algo estimulante que realmente ressoava no meu espírito. (não essa coisa metafísica que vocês adorariam que eu confessasse que acredito, mas essa voz silenciosa que ecoa na nossa cabeça, que faz a gente sentir até nos poros)
Tudo maravilhoso. Carreira nova, casa nova, cidade nova, muitos desafios e minhas musas ao meu lado.
Eu até tinha a oportunidade de estar com a minha querida dona fofinha muito mais.
Afinal o que é o trabalho senão uma ferramenta para tornar sua vida mais extraordinária? A gente se esquece que o trabalho é um meio, e não um fim.
Atualmente o trabalho é a medida do homem (ou da mulher), mas eu tenho a sensação de que somos muito mais.
Coisa maravilhosa essa que é o ser humano.
Somos muito mais do que o nosso trabalho. Somos nossas esposas, filhos, amigos, parentes, esportes, passatempos, filmes, conversas na mesa de bar, nosso sono e nosso ócio. Somos nossas férias, nossas discussões, nossos medos e nossos prazeres. Somos feitos de vários álbuns de fotos, de muitos eventos e reuniões.
Não só o trabalho.
Mas o que acontece quando você chega em um momento, uma hora em que parece que tudo está fazendo sentido e você está colocando um monte de fotos lindas em todos os seus álbuns, em que você tem que decidir se abre mão de tudo isso para fazer algo totalmente novo?
Foi por isso que eu passei quando ouvi a proposta de vir para Dubai.
Não disseram que em time que está ganhando não se mexe?
Eu mexi.
Onde estou agora?
12000 quilômetros em linha reta. 7 horas de fuso. Já seria distante o suficiente, mas a sensação é de que estou em outro planeta, talvez outra galáxia.
Então, porque estou aqui?
O que é que essa experiência vai me trazer que compense estar longe de tudo aquilo que me deu sentido até agora?
Que tipo de recompensa eu vou ter por passar 3 meses longe do meu bebezinho lindo, que quando eu deixei no dia 12 de junho estava começando a se aventurar no fantástico universo de juntar 2 palavras ou mais para expressar seus pensamentos e vontades, e que agora está falando frases completas?
Esse tempo não vai voltar.
Mas eu posso garantir que vou aproveitar cada momento - seja ele prazeroso ou doloroso - para tornar a minha passagem por esse pálido ponto azul chamado Planeta Terra algo pleno de significado.
Nosso tempo aqui é precioso.
E não sei quanto a vocês, mas para mim não existe outra chance de viver a vida.
Vou me ocupar de vivê-la e, quem sabe, contar para vocês mais uma história ou duas.

Thursday, August 04, 2005

Por incrível que pareça eles pararam de entoar o Corão.
Foi só comprar o bendito iPod.
TGIT
Quinta-feira, enfim!
Foi uma semana difícil. Muito trabalho, muitas reuniões, muita dor de cabeça e essa coisa de ser chefe que faz você perder o sono de vez em quando.
Felizmente agora eu tenho meu iPod e ninguém me segura. Não preciso de mais nada - tem até uns joguinhos que não são nem meia-boca - acho que estão mais para 1/4 de boca e 1/8.
Vou para o final de semana merecido.
Mas não pense que os finais de semana são muito fáceis. Apesar de ter tempo para descansar o ócio faz sua cabeça pensar demais. É melhor mantê-la ocupada porque senão a saudade dói demais. Quando você está fazendo coisas o banzo não te alcança, parece que você corre mais rápido do que ele. O maior inimigo do desterrado é a solidão. Não estou falando da sensação emocional, mas o estado físico de estar sozinho.
As novas pessoas que você conhece nas suas aventuras parecem que não bastam nestas horas.
É como se nossa história fosse escrita numa parede. O nome das pessoas que são importantes a gente escreve uma vez, depois escreve de novo por cima até que ao invés da tinta sobre a parede vai ficando uma marca cada vez mais funda. Até que chega um momento em que ela faz parte dessa parede, que somos nós. E a marca vai nos acompanhar sempre.
Assim são aqueles que fizeram minha vida no Brasil tão extraordinária.
Aqui eu tenho alguns bons colegas, livros e meu iPod.

Wednesday, August 03, 2005

Coincidências

Um item que faltou na lista de coisas que fazem falta e que era essencial: pudim de leite.
Mas veja como são as coisas.
Hoje me convidaram para ir em um restaurante iraniano, do outro lado da Sheikh Zayed Road. Rami, o supervisor de criação sírio que é muito gente boa, me chamou e disse que o lugar era barato - coisa rara aqui - e que você podia comer tudo que pudesse.
O meu tipo de lugar.
Cheguei lá e o rango era absurdo de bom. Dei perda.
O melhor de tudo é que a sobremesa estava incluída. E o que tinha entre as opções?
Sim, ele mesmo. A sobremesa que todo homem gosta. O sucesso eterno.
Pudim de leite.
Portanto não vou precisar corrigir minha lista. A civilização realmente chegou até Dubai.
O iPod e o Corão.

Faz algum tempo que eu tenho vontade de comprar um iPod. A maioria das pessoas sabem que não sou muito ligado nestes itens de consumo da moda e gastar dinheiro com algo que não é nem livro nem filme é sempre uma tarefa cerebral e sofrida para mim. Pois é, a meses venho avaliando a possibilidade de ter um desses aparelhinhos bonitinhos. No Brasil a idéia nem me passava pela cabeça, tinha muito armário e piso para pagar para que eu me sentisse confortável pagando uma grana pelo trocinho. Outra coisa que me segurava era o fato de que no Brasil eu era o dono da minha empresa. O que eu fazia é o que eu ganhava, nem mais nem menos. É uma sensação estranha para quem foi assalariado toda a vida. Quando você é assalariado a relação entre o que você produz e o que você ganha não é muito clara. Num mês você trabalha para cacete, vira noites e fins de semana e ganha x. No outro mês você não faz nada, fica jogando no computador e conversando sobre cinema e ouvindo umas fofocas e ganha o mesmo x. A linha divisória é nebulosa.
Já quando você ganha pelo que você produz - que era o meu caso no Brasil, como palestrante - a ligação é clara.
Se eu dou um curso ou palestra eu ganho x. Se não dou nenhum curso e nenhuma palestra não ganho nada. Simples assim.
Os empresários são como formigas enquanto os assalariados podem se dar ao luxo de ser cigarras de vez em quando.
A sensação era mais ou menos essa: você pede um chopp para o garçon e pensa "para pagar esse chopp vou ter que falar por 4 minutos e 17 segundos". O maldito guardador de carros vem pedir uma graninha - e vocês sabem como eu adoro isso - e eu penso "vou ter que falar 2 minutos e 43 segundos por causa deste maldito" e por aí vai.
Por tanto estou eu aqui, de volta ao mundo dos assalariados, nesta vida nebulosa da mais-valia.
E tenho pensado muito, mas muito mesmo se eu compro ou não o bendito iPod.
Já se passaram quase 2 meses e nada de iPod. As forças em conflito tem garantido a imobilidade do meu dinheiro dentro da carteira. Um lado dizendo "Sim! Compre! Você merece!" e o outro dizendo "Não! Não compre! Você não precisa!". Resultado: empate técnico.
Até que aconteceu a morte do Rei Fahd.
E o rádio com o corão.
E a terrível notícia de que o luto oficial vai durar 7 dias inteiros. Mais 5 dias inteiros de corão non-stop.
iPod, aqui vou eu!!!
Coisas do Brasil que eu sinto falta.

1 - Arroz com feijão
2 - Pão francês
3 - Natureza
4 - Yakult
5 - Ler a Folha de S.Paulo de manhã
6 - Falar mal do caderno de esportes da Folha
7 - Descansar no domingo
8 - Falar português
9 - Contar piadas
10 - Chuva
11 - Andar na rua
12 - Andar de bicicleta
13 - Ouvir música brasileira no rádio
14 - Goiaba
15 - Churrasco (quem diria!)
16 - Feijoada
17 - Tomar chopp num lugar aberto
18 - Cheiro de bife acebolado
19 - Passarinhos cantando
20 - Pizza de verdade
21 - A rolha do Giovanetti
22 - Tocar violão na varanda de casa
23 - Correr na lagoa
24 - Olhar as estrelas à noite depois da chuva
25 - Dar palestras
26 - Pão Pullman
27 - Andar sem camisa na rua
28 - Comer no Hakka e dar perda total
29 - #1 do Rockets
30 - O pôr-do-sol da janela no escritório
31 - Imitar o Didi
32 - Água
33 - Pão com mussarela torrado no forno
34 - Frio
35 - As pessoas que amo.
A cantoria continua...

Tuesday, August 02, 2005

O Rei Fahd e as rádios de Dubai.

Ontem morreu o soberano saudita, o Rei Fahd.
Dono, digo, regente de uma potência vizinha, a morte desta figura importante trouxe uma comoção local.
A maior parte foi causada pela expectativa de que o governo de Dubai decretasse luto oficial de dois dias. Realmente eles levam esse negócio a sério.
Acho que se o presidente da Argentina morresse os brasileiros também deixariam de trabalhar.
Infelizmente essa informação não se confirmou.
A morte do Rei Fahd afetou profundamente minha vida.
Ontem, quando saí daqui alegremente para ir para casa, sentei no carro e liguei meu companheiro fiel nos 30 quilômetros que separam a Sheikh Zayed Road e as Emirates Towers da simpática villa que alugo no residencial de Springs - o rádio.
Já estava na minha rádio favorita, onde volta e meia ouço a minha música símbolo de Dubai: Speed of Sound do Coldplay.
Eu não sei porquê a gente sempre associa uma música específica a uma situação ou pessoa. Em geral a música não tem nada a ver. Talvez seja diferente. Talvez seja a música que escolhe você. Ela chega e decide entrar na sua cabeça com força e, não importa o que você esteja fazendo e pensando no momento, você passa a associar isso com a música.
Mas liguei o radinho - aquele carrinho não tem CD, só toca-fitas - que já devia estar tocando algum roquinho meia-boa pelo menos e, para minha surpresa, ouço um velho cantando algo em árabe, sem acompanhamento. Só aquela ladainha num tom monocórdio e interminável. Olho para o mostrador surpreso achando que tinha trocado de estação sem querer. Nada, era ela mesma. Será que aqui eles têm Voz do Brasil, ou melhor, Voz de Dubai e eu nunca reparei? Troco para a minha segunda preferida, e outra, e outra e outra. Está para todos os lados. Uma espécie de cântico parecido com o David Lee Roth cantando aquele finzinho de Just a Gigolo, mas beeeeeeeeem devagar e sem acompanhamento (acho que não música também não tem, mas a frase ficou mais legal assim).
A viagem até minha casa, que em geral demora uns 20 minutos, demorou 9 dias para passar. Maldito rádio!
Procurei, procurei até que achei uma única rádio que não tinha algum velho orando. Achei, mas talvez fosse melhor não ter achado. Essa rádio estava tocando um soft jazz tão chinfrim, mas tão chinfrim que fiquei com saudades dos cânticos.
Hoje de manhã eu ainda tinha esperanças. Não demorou muito para descobrir que o luto continua.
E minha viagem continua interminável...
O rei morreu, vida longa ao rei!

Monday, August 01, 2005

Aqui estou eu me preparando para ir para casa. Vocês não fazem idéia do que é sair deste prédio - ou de qualquer outro em Dubai - onde o ar-condicionado é glacial e sentir o bafor (o famoso neologismo que junta bafo com vapor) do deserto escaldante. Durante o dia a temperatura tem passado fácil dos 44 graus e durante a noite fica um pouco abaixo dos 35 graus. Coisa para camelos e beduínos.
E eu ainda não vi nenhum camelo.
Emiratis, libaneses, sírios, palestinos, australianos, sudaneses, egípcios, somális, jordanianos, kwaitianos, paquistaneses, afegãos, ingleses, sulafricanos, indianos, marroquinos, sauditas, cingaleses, malaios, indonésios, filipinos, chineses, canadenses, tailandeses e um brasileiro.