Tuesday, May 19, 2009


Isto continua não sendo um cachimbo.

Há mais de vinte anos atrás estava eu entrando em uma sala cheia de adolescentes nervosos para mais um dia de vestibular. Era a segunda fase da FUVEST.

O vestibular é para o adolescente brasileiro de classe média como aqueles ritos de passagem para os jovens índios tem que passar para serem aceitos como adultos. Rituais longos, dolorosos e tensos que nunca sabemos qual será o resultado final, mas que todo mundo tem que passar para fazer parte do mundo de gente grande.

Agora você faz parte da tribo, jovem Gafanhoto.

O dia era importante - a prova de redação, que contava muito na nota final. Mais um motivo para ficar tenso. Entre as várias opções para escrever a redação havia uma dissertação que começava com uma reprodução da pintura acima. Um cachimbo com uma frase embaixo "Isto não é um cachimbo".

Escrever sobre um cachimbo que não era um cachimbo pode não parecer muito convidativo. Especialmente quando você está numa sala dilapidada de uma escola pública sem ar-condicionado junto uns 40 adolescente que, como você e apesar do calor, estão suando frio.

Eu não lembro quais eram as outras opções porque foi essa a que eu escolhi.

O que René Magritte queria dizer com aqui? Um cachimbo que não é um cachimbo.

Depois de me debruçar sobre a imagem por quase meia hora comecei a escrever. Duas páginas à mão - lembra quando a gente usava a mão para escrever? - falando sobre a natureza da realidade.

Interessante que naquele momento tenso estava sem saber forjando minha identidade. Aquela redação era um esboço não de texto acadêmico, mas da minha maneira de ver o mundo.

O que era a realidade afinal? Existe algo verdadeiro ou apenas aquilo que acreditamos real?

Existe um sentido intrínsseco à coisas que observamos e experimentamos ou o sentido é atribuído pelo observador?

Seria a realidade uma fantasia?

O vestibular passou, mas as idéias ficaram.

Às vezes um cachimbo não é um cachimbo.

4 comments:

Unknown said...

Grande Gui !!

O mais engraçado sobre o cachimbo é que ele é uma ferramenta antiga para se escapar da própria realidade !!
Abraços para todos aí !!

Fernando Nunão Agente 60 said...

Pô, quer dizer que naquele dia tinha mais opções e eu também tive a pachorra de escolher o cachimbo?

"Éramos jovens e inconsequentes"!!!

Pois é, Guilherme, vc não está sozinho nesse mundo de escolhas que vão muito além da realidade...

Ana LuX said...

Eu não tive muita escolha, não! O tema para a minha dissertação foi "Em terra de cego quem tem um olho é rei"... Acho que devo ter viajado legal, pois passei (e viramos amigos nos anos seguintes). Saudades, Gui!

Serafa said...

Guimba Safari, eu me lembro de ter feito essa do cachimbo (será q foi como treineiro?)Anyway compartilho de vossas lembranças. A sala dilapidada da escola pública, no meu caso, era do Culto à Ciência... tb estava quente...só que atrás de mim estava o LEAraújo..conhece? hahaha
Eu até gostei do tema cachimbo porque no intercâmbio q fiz pra Alemanha no ano anterior, vi uma exposição do Magritte (de quem nunca tinha ouvido falar antes)e virei um hiper fã... estava mto metido. Lembro tb de ter feito vestiba com o "Tudo vale a pena se a alma não é pequena" do Pessoa... não sei se foi qdo prestei GV...memórias já turvas nesta idade :) Beijos,