Thursday, December 03, 2009
Novas Aventuras em Technicolor
A vida do profissional é assim: cada dia um novo desafio. Se você gosta de estabilidade, previsibilidade e controle, passe longe. Tudo muda a cada semana. Cada projeto é completamente diferente do anterior. Improviso e capacidade de se adaptar são necessidades darwinísticas. O que funcionou da última vez talvez - e muito provavelmente - não vai funcionar na próxima. Para o criativo a vida é realmente uma caixa de chocolates.
O último bombom que eu tirei desta caixa não fugiu à regra. E no final quase deu uma baita indigestão.
Tudo começou no final de setembro quando recebemos um briefing urgente para uma concorrência. o prazo era curto: meio dia para criar um slogan e cinco dias para criar uma campanha para um cliente inusitado: o comitê responsável pela candidatura do Qatar para ser a sede da Copa do Mundo™ de 2022.
A primeira coisa que me saltou aos olhos foi a data: 2022! Para um cara que não faz planos nem para o almoço do dia - e isso geralmente nem depois do horário do almoço - 2022 parecia infinitamente distante.
Para mim 2022 é uma data de ficção científica, remota, impossível. Carros voadores, máquinas pensantes, clones, a Ponte Preta campeã...tudo parece possível quando você pensa numa num futuro tão distante como esse.
Mas ali estava eu, sentado com meu dupla e tentando criar uma campanha para vender o Qatar como sede da Copa de 2022, que só vai acontecer em treze anos. E nós só tínhamos cinco dias. Nem sempre a vida faz sentido.
Mas como um paisinho (é assim que se escreve mesmo, eu vi no dicionário) de um pouco mais de um milhão de habitantes e um pouco maior que tamanho do parque do Anhangabaú tem cojones para se candidatar a ser sede do evento esportivo mais importante do mundo?
Primeiro: eles têm dinheiro.
Segundo: eles têm MUITO dinheiro.
Terceiro: eles têm dinheiro para cacete!
Os caras estão sentados em reservas de óleo gigantes e tem a terceira maior reserva de gás natural, depois da Rússia e do Irã. O país tem a segunda mundo renda per capita do mundo, logo atrás de Liechtenstein - que é só um pouco maior que o quarto de empregada da minha casa.
Pois é, os caras têm dinheiro e têm vontade. Agora é a hora de provar ao mundo que eles são capazes de bater países como a Inglaterra, Holanda, Austrália e se tornarem o primeiro país Árabe a sediar uma Copa.
Para isso eles contrataram os melhores consultores do mercado. Gente que vive de preparar projetos e apresentações para os comitês olímpicos e Fifas da vida. Haja especialização.
Mas para anunciar o projeto e buscar apoio eles precisavam de divulgação. E para divulgar, você precisa de uma campanha. Para ter uma campanha, você precisa de uma agência. E se você não tem uma agência, faça uma concorrência. Mas para tudo ficar mais interessante, dê muito menos tempo do que o necessário para criar a campanha com tranquilidade.
Cinco dias.
Cinco dias olhando um para a cara do outro com os pés em cima da mesa. Cinco dias rabiscando coisas em blocos de anotação. Cinco dias pensando: caramba! Desta vez eles descobrem que sou uma fraude.
Mas como diria Eugênio Mohallem, todo briefing é o pior briefing do mundo - até que você tem uma idéia. Aí vira o melhor briefing do mundo. Para mim, na maior parte dos casos, o briefing bom é o briefing morto.
Para o leitor que não faz a mínima idéia do que eu estou falando quando menciono "briefing", o dito cujo nada mais é do que o documento que explica para o pessoal da criação o que a campanha que eles estão criando tem que fazer para o cliente. O que temos que falar, como temos que falar, quem temos que falar e, claro, quanto dinheiro temos para falar.
No caso - coisa rara nestes tempos de crise - o dinheiro era muito. O público-alvo, diverso - enorme.
Estávamos criando para quatro públicos:
Primeiro - os cidadãos do Qatar (a galera com aquelas roupas de milionário de petrodólares árabe) e os residentes do país - que é quase tão misturado quanto os Emirados Árabes.
Segundo - o resto dos árabes, para buscar apoio à causa.
Terceiro - o resto do mundo, para mostrar que a idéia de ter uma Copa num país árabe não é uma loucura.
Quarto - para o comitê da FIFA que vai decidir onde a Copa vai realmente acontecer.
Resumo da ópera: a idéia era fazer um filme que impressionasse todo mundo, sem se preocupar com dinheiro.
Em tempos de crise mundial e colapso da indústria da propaganda a possibilidade de criar produzir uma campanha sem se preocupar com a quantidade de dinheiro envolvido oferece uma sensação comparável a ganhar na loteria - sozinho, sem bolão.
Sentamos eu e meu parceiro e criamos os comerciais mais mirabolantes e megalomaníacos. O prazo era curto e a pressão enorme.
Segundo as regras da concorrência devíamos entregar o material da campanha para uma pessoa do marketing do cliente até o fim do último dia. Ela estava viajando de Dubai para o Qatar e iria se reunir com a diretoria - incluindo o príncipe responsável pelo projeto - na manhã do dia seguinte para decidir quem era a agência ganhadora.
Claro que para deixar a história saborosa nós terminamos depois do prazo e um dos diretores da agência teve que sair enlouquecido para entregar o material à cliente no portão de embarque do aeroporto, 2 minutos antes da decolagem.
(Pausa para respiração.)
Duas semanas se passam e nenhuma notícia do cliente.
Finalmente uma ligação: parabéns, vocês são a agência escolhida para desenvolver a campanha para a candidatura do Qatar à Copa do Mundo de 2022.
(fogos de artifício)
Parecia que tínhamos ganhado a Copa - o que não estava muito longe da verdade. Num momento em que até o dinheiro do pãozinho faz diferença, uma vitória grande dá injeção de ânimo enorme. Mais ou menos como tomar Red Bull com um cafezinho.
Depois da comemoração chega a hora de entender qual o tamanho da encrenca. Um jogo entre o Brasil e a Inglaterra estava programado para acontecer no Qatar em 7 semanas - evento essencial para provar a capacidade do país para os delegados da FIFA - e o comercial oficial do lançamento da candidatura deveria estar pronto para ir ao ar naquela data.
Ao contrário do que muita gente pensa, publicitários não filmam comerciais, eles contratam diretores e produtoras que vão tomar conta do trabalho. Nossa função é ficar na sombra tomando suco, comendo petiscos e dando opiniões.
Começa a busca por diretores de comerciais e companhias de produção. Como prazo era muito curto e a produção complicada, cheia de efeitos especiais, poucas companhias estavam dispostas a se envolver, mesmo com todo o dinheiro disponível. Tudo teria quer ser feito em seis semanas, prazo muito curto para um comercial deste tamanho.
Depois de dúzias de ligações telefônicas, centenas de emails trocados e muitas horas dentro de salas de reunião chega a hora da verdade. Diretores escolhidos, orçamentos prontos, referências selecionadas, tudo pronto para a aprovação imediata do cliente e o início da produção. Aí vem uma conference call - coisa que eu detesto - para receber o sinal verde do cliente.
Mas as coisas não foram tão simples assim. Conference calls já são coisas confusas por natureza, parece que ninguém sabe exatamente o que o outro lado está dizendo, mas no final todo mundo concorda e sai achando que sabe o que tem que fazer. Mas neste caso foi ainda mais confuso: o que a cliente dizia, os comentários que ela fazia, não batiam com o roteiro que tinha sido aprovado - e orçado.
De repente vem a descoberta: ela estava falando de outro roteiro que tínhamos mandado. A desmiolada havia aprovado um roteiro com a diretoria da candidatura e trocado o nome com outro roteiro que havíamos mandado. Inacreditável. Uma semana perdida.
O resultado é que tivemos que refazer todo o trabalho de orçamento em dois dias, uma insanidade, mas ficou pronto - seis semanas antes da data de entrega, o nosso limite.
O que acontece na sequência é uma tradição nas relações agência-cliente: eles desapareceram. Ficamos decepcionados, pensando se eles haviam desistido de produzir o comercial. Foi bom enquanto durou...
Mas eis que eles reaparecem, três semanas antes da data limite, dizendo:
– Precisamos do filme pronto para o jogo do Brasil x Inglaterra em Doha. Não importa o custo!
Nenhuma produtora aceitaria um projeto de risco com prazo tão curto como esse, mas o cliente sugeriu uma companhia que havia trabalhado com eles que dizia que seria capaz de entragar no prazo. E eles tinham experiência com candidaturas para grandes eventos esportivos, tendo sido responsáveis pelos comerciais de lançamento da candidatura de Londres aos Jogos Olímpicos, entre outros.
Era um tiro no escuro, mas não tínhamos opção. A única condição que colocamos era a de selecionar o diretor, alguém sabíamos que iria fazer o comercial acontecer.
Sinal verde. Começam três semanas de tensão, confusão, tragédia e, no último segundo, triunfo.
A produção foi cheia problemas e situações inesperadas, desorganização e mudanças. O Qatar já é um lugar difícil de se trabalhar pela falta de profissionais experientes disponíveis, junta-se isso a uma produtora sem pulso firme, que gastava mais tempo fazendo política com o cliente tentando minar nossa credibilidade do que cuidando do filme, e você tem uma situação propícia para o surgimento de muitos cabelos brancos na cabeça de um diretor de criação.
Mais de dez locações, mais de 500 extras e atores, helicópteros, ônibus e muito protetor solar depois eu estava indo para Londres para a pós-produção - incluindo os efeitos especiais.
Minha primeira viagem para Londres foi interessante por um lado - passei cinco dias dentro dos estúdios The Mill, talvez a melhor empresa de pós-produção de publicidade do mundo. Você entra na recepção e se vê cara-a-cara com um Oscar que eles ganharam pelos efeitos especiais de Gladiador. Por outro lado foi decepcionante porque passei cinco dias dentro dos estúdios The Mill, sem conseguir ver quase nada de Londres.
Claro que a diretora de produção ainda criou mais problemas, tentando remover o diretor do comercial da edição e falando diretamente com o cliente - pecado imperdoável. No final o cliente ficou do nosso lado e aprovou nossas versões, para o desgosto daquela que havia se tornado nossa antagonista.
Enquanto isso acontecia uma equipe de mais de vinte pessoas estava trabalhando 24 horas por dia para criar os efeitos finais do filme, usando a mesma tecnologia desenvolvida para criar as batalhas de O Senhor dos Anéis.
Saí correndo para o aeroporto com um DVD embaixo do braço. Tínhamos que apresentar o filme na manhã seguinte para o príncipe e conseguir sua aprovação final. Mas só tinha um complicador: o filme estava incompleto e os efeitos especiais finais só ficariam prontos durante a noite, enquanto eu voava para o Qatar. Era chegar de manhã e rezar para que a versão final estivesse pronta para o download.
É incrível que depois disso tudo as coisas possam ter dado certo. Cheguei a tempo no aeroporto, conseguimos fazer o download quando chegamos e o filme foi aprovado por sua santidade, digo, sua alteza digo, sua excelência.
Missão cumprida.
Bom, chega de contar história e vamos para o filme.
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8 comments:
Congrats dear friend.
Já estou torcendo para a copa no Quatar - mas os jogos serão à noite, certo ?
André Brandalises
Sensacional!!! Parabéns! Agora virei Qatar desde criancinha...rs
Cara, cheguei a esse blog completamente por acaso e ainda não sei por que resolvi começar a ler... mas, independente do seu trabalho (que é muito bom!), seus textos tem uma velocidade e uma dinâmica que são muito boas de ler. Parece ficção!
Parabéns.
Zezo Maltez
zezomaltez@yahoo.com.br
Grande Rangel :-)
Parabéns pelo fabuloso trabalho!!!
Ficou muito show mesmo!!!!
Arrebentou!
Santos
UAU!!! Fiquei arrepiada!!!
Parabéns, Gui!
Gui, maravilhoso!
Sobre o comentário do Zezo... eu até sei por que comecei a ler seu blog (e faz teeeempo hehehe) mas concordo com ele sobre a dinâmica dos textos e a emoção que eles passam. É isso que me faz CONTINUAR a lê-los.
Congrats man!
Querido e desaparecido amigo, adorei saber que vc continua a mesma pessoa maravilhosa que conheci a muito tempo. continue com esse hunmor intelignte e apimetado. Quando pousar no brasil, campinas, nos procure
feliz natal e otimo ano
Bacalá
fabianobacala@gmail.com
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