Monday, September 07, 2015

Olhos de Lins.



Estou voltando com um grupo de amigos de uma longa caminhada em Ilhabela. Como o dia estava acabando decidimos voltar nas canoas de uns pescadores locais. O mar estava revolto e a jornada de volta foi tensa, mas nada se compara ao momento de desembarcar. Não havia um porto onde os pecadores iriam nos deixar, que era ponto mais próximo de onde tínhamos estacionado nossos carros, por isso eles tiveram que improvisar: a idéia era acompanhar o movimento das ondas que estavam batendo nas rochas na costa até o momento em que embarcação estivesse em cima delas. Aí o passageiro tinha que se jogar em direção à terra firme, torcendo para que desse tudo certo. A adrenalina fazia parte do pacote.

Fui um dos últimos a pular. Fiquei observando meus amigos se jogando de maneira destemida em direção à salvação e pousando de maneira desajeitada nas rochas escorregadias.

Aí chegou a minha vez.

As ondas batiam forte e a canoa balançava cada vez mais, se aproximando pouco a pouco daquela armadilha geológica. Até que chegou o momento. Subi na proa e me preparei para pular.

Foi na hora que dei o bote que aconteceu. Meu amigo, querendo me alertar do risco de escorregar nas pedras à minha frente, grita:

"CUIDADO COM O LIMBO!!!!"

Eu já estava no ar, precisando de toda a concentração e habilidade física para sobreviver à experiência, mas no momento em que ouvi aquilo nada mais importava. Esqueci de tudo que estava acontecendo ao meu redor e gritei de volta:

"É LIMOOOOOOOO!!!!!"

Pousei de maneira desajeitada na plataforma escorregadia, vivo, aliviado e com a sensação vitoriosa de que o vernáculo havia sido preservado.

Todo mundo já ouviu - ou mesmo falou - essas expressões levemente erradas. Algumas acham intolerável. Eu era uma delas. Muita coisa mudou depois desse dia. Amadureci. Percebi que essa minha resistência não fazia sentido. Meu repúdio por esses pequenos erros foi substituído lentamente por uma tolerância. E essa tolerância se transformou num prazer crescente de ouvir e colecionar essas expressões.

Hoje adoro quando tem chuva de "granito", ou quando vulcões explodem e lançam "larva" para todos os lados. Se uma coisa serviu de maneira perfeita, ela caiu como uma "uva". Quando você consegue resolver vários problemas de uma vez, matou dois coelhos com uma "caixa d'água". Ou quando você vai para o porão de casa e encontra ele cheio de "telhas" de aranha. Claro que quando você se parece demais com alguém, você é a cara dele "cuspido e escarrado".

Essas expressões fazem os nossos diálogos cheios de clichês e lugares comuns muito mais interessantes, nossas conversas mais ricas. Por isso não vejo a hora de ouvir a próxima.

Tenho certeza vai merecer uma "salma" de palmas.

Tuesday, August 18, 2015

Brasileiros e Brasileiros.



Hoje vi esta imagem de uma tiazinha com um cartaz durante os protestos. Nele tinha uma mensagem perguntando porque membros da atual classe política que está no poder não foram mortos pela ditadura militar. Essa imagem foi usada para mostrar quem são os manifestantes que foram às ruas para protestar contra o governo federal em um artigo falando sobre o fracasso das manifestações contra o governo. Fazia parte de uma coleção de "fotos selecionadas" que tinham a intenção de mostrar que os protestos foram um fracasso e que as idéias políticas – e as pessoas envolvidas – não são só absurdas, mas também bizarras.

E, acredite, o autor selecionou várias, com textos bem-humorados para acompanhar

Eu não estou aí no Brasil para ver como foram as manifestações realmente, mas a idéia de mostrar “fotos selecionadas” para provar uma teoria já é uma maneira excelente de perder a credibilidade.

Me faz lembrar de um comercial genial da Folha de S.Paulo que fala sobre as virtudes de um governante histórico para depois revelar que estão falando de Hitler. As linhas finais são muito contundentes: é possível contar um monte de mentiras só falando a verdade.

Vem à minha mente o significado da palavra propaganda, como é usado no exterior: a divulgação informação, em geral tendenciosa, usada para promover uma causa política ou ponto de vista.

E é isso que eu vejo aqui de longe: um país onde todo mundo - dos dois lados - usa montes de fatos para provar seu ponto de vista. E a verdade - se é que ela existe - está em algum lugar onde a nossa cegueira de torcedores (sim, daquele que torce os fatos) nos faz incapaz de ver.

O que se vê é uma manipulação da informação criando estereótipos e ajudando a bipolarizar o confronto. Quem está com contra o governo é burguês, coxinha. Quem é a favor do governo é comunista, vermelho ou PTralha. Essa estereotipização leva à uma demonização do adversário e à impossibilidade de uma conciliação.

Propaganda pura.

É fácil detestar e desprezar um adversário que é uma figura de papelão, pintada em tons de preto e branco. Fazer o outro ser diferente da gente ajuda. Desse jeito fica fácil justificar a alienação, a perseguição, agressão, racismo, a escravidão e todas essas coisas maravilhosas que nos fazem ser humanos e tornam os livros de história uma leitura tão interessante.

Mas fazer o que? Tem um conflito extremamente polarizado acontecendo no país - e tanto Coxinhas quanto PTralhas estão fazendo de tudo para provar seus pontos de vista.

E como foi dito numa citação atribuída tanto ao poeta grego Ésquilo quanto ao senador americano Hiram Johnson: numa guerra a primeira vítima é a verdade.


P.S.: Este post é uma versão estendida de um comentário que fiz a respeito do artigo em questão

P.S. 2: Para quem não viu, aí vai o comercial da Folha.


Monday, August 10, 2015

All that jazz.



De tempos em tempos eu assisto um filme tão bom, mas tão bom que me faz sentir feliz de fazer parte da mesma espécie das pessoas que o produziram.

Foi assim com Guerra nas Estrelas, Caçadores da Arca Perdida, Intriga Internacional, Cidade de Deus, Amarcord, A Vida de Brian, Doze Homens e uma Sentença, Apertem os Cintos O Piloto Sumiu, O Iluminado, ET, o Extraterrestre, Blade Runner, De Volta Para o Futuro, vários do Woody Allen - especialmente Crimes e Pecados, Sociedade dos Poetas Mortos, Asas do Desejo, Cinema Paradiso, Goodfellas, Shortcuts, O Feitiço do Tempo, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, Os Imperdoáveis, O Sexto Sentido, Oldboy, Alta Fidelidade, A Família, Harry e Sally - Feitos um para o Outro, Silêncio dos Inocentes, Seven, Gênio Indomável, Os Royals Tenenbaums, Gladiador, Boogie Nights, O Clube da Luta, O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, Pulp Fiction, Um Sonho de Liberdade, O Grande Lebowski, O filho da Noiva, Os Suspeitos, O Labirinto do Fauno, Fale Com Ela, Matrix, a trilogia de Senhor dos Anéis, A Viagem de Chihiro, Up in the Air, um monte de coisas da Pixar, Transformers...

Estou brincando sobre Transformers. Só para ver se você estava prestando atenção.

Esta sensação de se conectar com uma obra extraordinária te dá a sensação de transcender só por ter tido a oportunidade de assisti-la.

É glorioso.

Sempre tive medo de chegar num ponto da vida em que já vimos tanta coisa e passamos por tantas experiência que nada mais nos impressiona, um momento em que nos tornamos insensíveis e tudo fica meio morno e não deixa mais registro nas nossas mentes.

Mas aí vem um filme como Whiplash e você recupera essa sensação de que coisas extraordinárias são ainda possíveis e que o mundo ainda tem algumas surpresas preparadas para você.

Se você não assistiu, pare tudo e assista. Não tem atores famosos, efeitos especiais, explosões, locações magníficas, trilha sonora com músicas do Aerosmith ou do Pharrell Williams, não tem Minions e ninguém salva o mundo no fim.

É sobre um baterista de jazz.

É uma história extraordinariamente bem contada e ainda melhor interpretada.

Mais do que isso. É um filme que fala sobre quanto custa transformar potencial em realidade. A energia, a obsessão e o foco necessários para transformar talento em genialidade.

Nós acreditamos que é só fama, festas, mansões, carrões, viagens de primeira classe e shows para milhares em estádios lotados, mas esquecemos que o preço que se paga é bem alto: viver à margem das convenções sociais, sacrificar a saúde, a privacidade, tomar um monte de decisões e fazer muitas coisas  que vão soar péssimas na sua biografia não-autorizada - mas que com certeza vão ajudar a vender muitas cópias.

O filme me faz agradecer o fato de alguém passe por tudo isso para que a gente possa aproveitar coisas extraordinárias - quando nossas vidas cheias de necessidades sociais comuns, hábitos saudáveis e decisões sensatas nos dão tempo. E este momento de comunhão com o extraordinário te faz sentir maior, melhor, mais inteligente e bonito.

Tudo isso tendo um jazz de primeira não só como trilha sonora - mas como ponto central da história.

E quando foi a última vez que você assistiu a um filme sobre jazz que é mais emocionante que um filme do Tom Cruise?

Ainda bem que tem alguém disposto a pagar o preço que custa para ser totalmente fora da curva -  pode ter certeza que é muito maior do que o do bilhete do cinema.

E ainda bem que tem gente que faça filmes magníficos sobre isso.

Sem precisar de Minions.




Monday, May 25, 2015

33, 34...35!


Eu me lembro do dia.

Tinha 11 anos de idade e estava esperando um ônibus perto da casa onde morávamos em Campinas, no bairro do São Quirino. Não sei bem o que estava indo fazer, mas me conhecendo - afinal passo muito tempo comigo mesmo - devia estar indo para o centro comprar uns gibis. Pato Donald, Homem de Ferro, Super Homem, X-Men, Batman, Tio Patinhas, Homem Aranha...coisas do gênero.

O bairro era afastado e os ônibus demoravam a passar - uma grande oportunidade para a mente de moleque viajar para longe e voltar cheia de idéias.

Foi o que aconteceu.

Naquele dia o menino que ainda tinha um sotaque forte de quem tinha sido criado no Rio de Janeiro deu uma pausa nos seus devaneios e decidiu começar a contar. Mas essa contagem tinha que ser algo especial, ele pensou. E para fazê-la especial só iria valer contar uma vez por ano.

1.

Um ano depois veio o 2. E depois o 3.

E assim os anos foram se passando e a contagem continuando, sempre me acompanhando.

Com tanta coisa acontecendo na vida, não era fácil lembrar de continuar a contagem, mas com um ano inteirinho à disposição, sempre aparecia uma oportunidade para os neurônios se conectarem e adicionarem mais um número à sequência.

8: Começando a faculdade, indo morar sozinho pela primeira vez.
9: você está no exército.
11: Primeira bebedeira
16: Caminhada em uma geleira na Nova Zelândia
20: Festa de casamento
23: Sou pai!
25: Chegada no Oriente Médio
35: Hoje

Dizem que você nunca vai conseguir entrar num rio duas vezes porque nem águas do rio serão as mesmas - e nem você será o mesmo.

Nesse momento mágico em que adiciono mais um número à minha contagem me ligo àquele moleque magrinho, tímido, romântico, cheio de idéias e sonhos.

Toda vez que adiciono um número à contagem é como se estive me conectando a todos esses Guilhermes que se foram mas que, de alguma forma, ainda estão presentes. Todos diferentes, mas na essência o mesmo.

Quando você tem 11 anos de idade um ano parece uma eternidade, mas com o passar do tempo a vida parece se acelerar. Dizem que é porque o nosso cérebro cria atalhos para as tarefas familiares e elas deixam uma impressão menos profunda mais superficial.

E conforme a vida passa quase tudo que fazemos é a repetição de algo que já experimentamos no passado. Cada vez menos coisas registram na nossa consciência, e por conta disso parece que tempo passa mais rápido. E vamos nos transformando em sonâmbulos que perambulam pelas próprias vidas.

É como fazer o mesmo caminho do trabalho para casa todos os dias: você entra no carro e de repente se vê na frente da sua casa - se não tiver um motoboy chutando seu retrovisor você não vai ter nenhuma memória do seu deslocamento.

E você se pega falando - ou ouve alguém comentando - "Nossa, este ano está voando, hein? Já estamos em (favor inserir o mês em que estamos aqui)"

A rotina e a familiaridade destróem nossa capacidade de nos maravilharmos com o que nos rodeia. O extraordinário vira ordinário depois de um tempo. E o ordinário não deixa registro.

Lembro que quando cheguei em Dubai há quase 10 tudo era novo, diferente, exótico. Cada dia reservava uma surpresa. Cada hora tinha um desafio. Novas paisagens, pessoas, estilos, jeitos de se vestir, os nomes, novos caminhos, novas burocracias e um monte de coisas mais.

Cada dia demorava dez dias para passar.

Eu adorava olhar as placas de trânsito e ter aquela sensação de "Totó, acho que não estamos mais no Kansas". Hoje eu nem reparo que elas estão escritas em árabe.


A familiaridade nos deixas insensíveis.

Mas essa máquina do tempo improvisada me ajuda a entrar em contato com esse garoto divertido com um sotaque carioca carregado sentado no ponto de ônibus. Ele me trouxe até aqui e, de uma certa forma, ainda faz parte de mim, junto com todos os outros Guilhermes que apareceram no caminho.

De uma certa forma ele é meu Motoboy, me acordando de tempos em tempos de uma jornada sonâmbula para olhar para os lados e perceber como a nossa vida é extraordinária - e cheia de possibilidades.

E a contagem continua.

O que será que o 36 me reserva?




Sunday, March 08, 2015

Brasil Pandeiro




Eu odeio Carnaval.

Pronto, falei.

Nem sempre foi assim. Quando eu era moleque tinha esse sonho de um dia conseguir assistir ao desfile das escolas de samba do Rio inteiro. Apesar da extraordinária permissão que meus pais davam para passar a noite em claro, o cansaço e o tédio sempre triunfavam. Era uma overdose de cores, plumas, paetês (tenho que confessar que dei uma procurada no Google para lembrar o que é) e  as misturas bizarras dos temas de samba enredo - aquela mistura de fatos históricos obscuros, referências do candomblé e cultura popular que só devem fazer sentido para quem assiste ao desfile tomando ácido.

O tempo passou e depois de várias tentativas frustradas que terminaram prematuramente nos braços de Orfeu e Morfeu, a versão pré-adolescente de mim perdeu o interesse na Sapucaí e em tudo mais que se relaciona com a indústria do carnaval, com a exceção das fotos das celebridades de biquíni nas páginas das finadas revistas Manchete, Amiga TV Tudo e Fatos & Fotos e as zarpadas secretas depois da meia-noite pelos canais de TV que faziam a cobertura dos bailes nos clubes, com repórteres que não sabem o que perguntar entrevistando modelos-atrizes que não sabem o que responder - tendo a bacanália como pano de fundo.

Mas como acontece com uma boa parte da sociedade, para mim com o tempo o Carnaval virou um feriado prolongado para se desconectar de tudo - especialmente do Carnaval.

Ir para um lugar longe e isolado, colocar a leitura em dia, fazer caminhadas, assistir a todos os filmes que perdeu e prometeu assistir e por aí vai. Vale tudo - desde que não seja Carnaval.

Mas é quase impossível se esconder. Oficialmente ele acontece no final de Fevereiro ou começo de Março e dura 5 dias, dependendo da vontade dos astros - ou da Lua - mas na verdade ele começa logo depois do Ano Novo e só acaba na primeira Segunda-Feira depois da Quarta-Feira de Cinzas. São dois meses ou dois meses e meio em que nada de importante acontece no Brasil. Todas as decisões importantes, contratações, compras, qualquer coisa que tenha alguma importância para as nossa vida pessoal e corporativa tem que esperar o fim do Carnaval. Este bendito evento marca o começo não-oficial do ano - dois meses depois.

E eu odeio isso.

O Carnaval nos faz uma nação de procrastinadores. Jogamos fora 2 meses do ano para um evento em que nem sabemos bem o que está sendo celebrado (eu nem vou falar das origens pagãs das festividades para não deixar todo mundo confuso).

Mas é claro que arrumamos razão para a festa. Se a vida está boa, a razão é celebrar. Se a vida está ruim, a razão é compensar. Se está mais ou menos, vamos aproveitar porque nunca se sabe o dia de amanhã. Se a gente não sabe exatamente como estão as coisas, celebramos - só por via das dúvidas.

E assim caminha a humanidade.

Agora, depois de 10 anos fora do Brasil, eu tenho a oportunidade de olhar com um pouco mais de distância.

O Carnaval faz mal para o Brasil porque é a cara do Brasil. Cada que vez que uma imagem de um cara girando o pandeiro do lado de uma passista bunduda aparece na mídia internacional imagino os analistas do Standard & Poor's dando um downgrade na nossa avaliação e aumentando o risco Brasil.

Claro que o governo brasileiro tem trabalhado duro para fazer  nossa imagem ficar ainda pior no exterior (parece que eles têm um talento para isso). No momento as coisas que nos definem como nação para os estrangeiros são uma corrupção épica, monumental, nosso maravilhoso futebol (sim, estou sendo sarcástico) e uma festa hiperbólica ultra-sexualizada que pára um país de 200 (duzentos) milhões de habitantes.

Ouch! (Interjeição da língua inglesa que demonstra sofrimento físico ou psicológico)

E não estou falando mal do Carnaval e suas implicações porque acho que o brasileiro trabalha pouco e não merece comemorar. Na verdade trabalha muito, mas para si mesmo. Fazer um país melhor dá trabalho e nem sempre é claro como nos beneficiamos quando fazemos coisas para o bem-comum. Por isso trabalhar por um Brasil melhor é uma coisa que deixamos para amanhã, quando não estivermos tão ocupados. Dá a sensação de que se pudéssemos a gente terceirizaria essa tarefa.

Será que não dá para contratar uma empresa japonesa ou coreana para isso?

Aí vai dar para curtir o Carnaval mais sossegado...

P.S.: Estava muito reclamão neste post. Aqui vai uma imagem de gatinho para compensar.


Thursday, January 08, 2015

Resolução de Ano Velho

Ano passado prometi a mim mesmo voltar a escrever aqui para documentar minhas aventuras. Acabei de ver a data do último post: quase um ano e meio atrás.

Mais uma resolução de Ano Novo não cumprida. Existe coisa mais humana que isso?

Ou cumprida com um certo atraso, vamos pensar assim.

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