Inquilino o cacete!
A pior coisa de morar em Dubai é ter que pagar aluguel. A cada ano que passa quando chega a hora de renovar o contrato do aluguel - os aluguéis aqui são pagos anualmente, o que torna o processo ainda mais doloroso - o desterrado sente provavelmente o mesmo tipo de tensão que o vietcong sentia quando ouvia o barulho dos helicópteros ianques chegando. Não tem para onde correr, é só continuar na sua posição e lutar para sobreviver mais um pouquinho.
Mercado imobiliário aqui é um papo mais popular do que futebol e política. Não importa de onde você vem - Sérvia, Índia, Egito, Nova Zelândia, Alemanha, Inglaterra, Índia e Índia (aqui tem muito indiano) - aluguel é sempre o tema mais presente nas rodas de papo.
E não é para menos. Desde que cheguei aqui o aluguel da casa de dois dormitórios em que morava está 3 vezes mais caro. Você sente que está pagando para ficar morando no palácio de Buckingham - claro que sem os empregados e a carruagem. A cada dia que passa não só os aluguéis, mas os preços das propriedades sobem mais do que carregador sherpa em temporada de escalada. Proprietários querem aumentar os aluguéis e quando, por lei, não podem, vem com desculpas como "Vamos mudar para a casa onde vocês estão" ou "Meu filho vai casar e mudar para esta casa". Espera lá, seu filho tem 8 anos de idade! Não importa, tudo é desculpa para fazer muito dinheiro e rápido.
Empreendedoras lançam novos projetos e as pessoas viram a noite em filas para comprar o máximo possível. Parece o INPS, com a diferença que as filas aqui ficam às vezes no meio do deserto. A parte mais insana é que sempre tem mais gente do que unidades disponíveis e o que acontece é que a pessoa sai com o documento de compra e já tem um cara lá fora está te esperando para fazer uma oferta. Tumultos não são incomuns.
Se para quem está de fora o mercado imobiliário em Dubai é insano, para quem está dentro, com o próximo aluguel prestes a vencer é insuportável.
Hoje em dia eu não suporto nem jogar Banco Imobiliário. É só parar em um quadradinho em que tenho que pagar aluguel me dá vontade de vomitar.
Depois de três anos pagando aluguel prometi a mim mesmo que isso ia acabar. Como uma Scarlett O'Hara na frente de sua mansão na Geórgia eu fiz uma promessa: Não irei pagar aluguel de novo!
E como promessa é dívida, acabamos de nos endividar pelos próximos 25 anos. Compramos a casa que alugávamos nos Arabian Ranches.
Claro que não foi assim simples. O tempo ia passando, o nosso aluguel para vencer e nenhuma opção disponível. Já tínhamos perguntado para a imobiliária que administra nossa casa se o proprietário estava interessado em vendê-la mas eles disseram que não, por isso esta opção estava descartada. Começamos a procurar outros lugares mas nada realmente interessante ou dentro da faixa de preço que podíamos pagar. Os famosos 45 minutos do segundo tempo iam chegando e nada.
Um belo dia em que tínhamos agendado a visita de pelo menos umas 10 propriedades e teríamos que decidir por uma recebemos a ligação do agente imobiliário que alugou a casa para a gente.
"O proprietário quer vender. Vocês ainda querem comprar?"
Sim!!!
Eu tenho uma teoria que explica porquê as pessoas mudam. Mudam de casa, mudam de cidade, Estado ou país. Elas se mudam porque temos memória curta, porque se lembrássemos o pé-no-saco que é mudar, encaixotar tudo, desencaixotar tudo, arrumar tudo e fazer o lugar parecer um lar de novo, nunca saíriamos do mesmo lugar. Iríamos ficar ali quietinhos, felizes.
Eu posso falar disso como quem tem conhecimento de causa. Já morei em pelo menos umas 18 casas diferentes nestas quase 38 primaveras.
Foi um longo e desgastante processo em que você tem juntar mais papel do que inquerito contra político corrupto. E quando acha que acabou ainda tem mais papéis faltando. Finalmente você tem tudo na mão e aí aparecem mais papéis ainda para entregar. Finalmente chega o dia e te informam que mais um papel está faltando. A sensação é de que o Sol vai se apagar, o universo vai esfriar e você ainda vai estar colecionando papéis para ter sua hipoteca aprovada.
Chega o grande dia.
Vou sozinho para o Dubai Land Department onde os agentes imobiliários, o proprietário e o cara do banco com um cheque que tem um valor tão assustador que não quero nem pensar muito porque senão vou decidir comer no McDonald's o resto da vida.
Papéis assinados, apertos de mão, sorrisos e uma sensação de leveza indescritível.
Sou finalmente senhor do meu castelo - mesmo que tenha que passar os próximos 25 anos pagando salgadas prestações mensais.
Monday, June 30, 2008
Sunday, June 29, 2008
1095
No último dia 13 de junho o planeta Terra completou 3 voltas desde que saí do Brasil.
De cachorro que caiu de uma mudança de catorze mil quilômetros para parte da paisagem local foi um longo caminho.
Quando cheguei aqui era o único brasileiro à vista - claro que haviam outros, mas demorei 8 meses para encontrá-los - e por isso as pessoas me tratavam quase como um monumento, um marco, um ponto de referência:
- Bom, para você chegar lá é fácil, é só pegar esta avenida e, quando você avistar o brasileiro vire à esquerda. Não tem como errar.
1095 dias depois Dubai não parece mais tão longe. Em vez de ouvir "Ai, meu deus! Você está indo para aquele lugar, no meio da guerra, no meio do deserto, no meio do nada??!!!" você começou a ouvir "Nossa, eu vi uma matéria sobre Dubai no Fantástico, na Veja, no Amaury Júnior, no Faustão, na Turma do Didi, na Zorra Total, no quadro de avisos do meu prédio..." e ultimamente "Tem um conhecido, amigo, primo, irmão meu morando aí" ou " Estou pensando em passar uns dias aí, posso ficar na sua casa?"
Mudou muito.
Mudou o trabalho, mudamos de casa, mudamos de carro, mudamos de amigos...
Dubai é um lugar em que ninguém vem para ficar. Todos estão aqui em um caráter temporário. Essa temporada pode ser de um mês, um ano, cinco, dez anos. Mas no fim todos acabam seguindo em frente. O próprio governo dos Emirados ajuda a criar esta situação, porque - a não ser em situações muito específicas e restritas - ninguém aqui vira cidadão. Nossa relação com o lugar tem data de validade. O resultado é que o panorama humano muda quase tão rápido quanto a paisagem.
No final a sensação é de que você viveu muitas Dubais, completamente diferentes, nestes últimos 1095 dias. Mudanças radicais - algumas vezes para melhor, outras vezes para pior, na maior parte das vezes apenas para algo diferente - em que a única vantagem é que você não tem que chamar o caminhão de mudança.
No último dia 13 de junho o planeta Terra completou 3 voltas desde que saí do Brasil.
De cachorro que caiu de uma mudança de catorze mil quilômetros para parte da paisagem local foi um longo caminho.
Quando cheguei aqui era o único brasileiro à vista - claro que haviam outros, mas demorei 8 meses para encontrá-los - e por isso as pessoas me tratavam quase como um monumento, um marco, um ponto de referência:
- Bom, para você chegar lá é fácil, é só pegar esta avenida e, quando você avistar o brasileiro vire à esquerda. Não tem como errar.
1095 dias depois Dubai não parece mais tão longe. Em vez de ouvir "Ai, meu deus! Você está indo para aquele lugar, no meio da guerra, no meio do deserto, no meio do nada??!!!" você começou a ouvir "Nossa, eu vi uma matéria sobre Dubai no Fantástico, na Veja, no Amaury Júnior, no Faustão, na Turma do Didi, na Zorra Total, no quadro de avisos do meu prédio..." e ultimamente "Tem um conhecido, amigo, primo, irmão meu morando aí" ou " Estou pensando em passar uns dias aí, posso ficar na sua casa?"
Mudou muito.
Mudou o trabalho, mudamos de casa, mudamos de carro, mudamos de amigos...
Dubai é um lugar em que ninguém vem para ficar. Todos estão aqui em um caráter temporário. Essa temporada pode ser de um mês, um ano, cinco, dez anos. Mas no fim todos acabam seguindo em frente. O próprio governo dos Emirados ajuda a criar esta situação, porque - a não ser em situações muito específicas e restritas - ninguém aqui vira cidadão. Nossa relação com o lugar tem data de validade. O resultado é que o panorama humano muda quase tão rápido quanto a paisagem.
No final a sensação é de que você viveu muitas Dubais, completamente diferentes, nestes últimos 1095 dias. Mudanças radicais - algumas vezes para melhor, outras vezes para pior, na maior parte das vezes apenas para algo diferente - em que a única vantagem é que você não tem que chamar o caminhão de mudança.
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