Como tudo começou - parte I
O pior já passou. Aquele primeiro momento em que parece que você não vai dar conta, que você sente que desta vez vão descobrir que você é uma farsa, que você vai acordar ver que nada aconteceu, tudo vai ficando para trás.
Hoje na Young & Rubicam a pressão está enorme mas agora é só fazer tudo acontecer - e posso dizer que está divertido. Você tem que chutar alguns, na verdade MUITOS traseiros, sacudir as fundações e estar sempre sorrindo.
Mesmo um movimento impressionante, uma mudança radial como esse acaba se transformando em parte do seu dia-a-dia. Eu já falei mais de uma vez que é necessário que a gente lute para nunca perder essa capacidade de maravilhamento. Eu volto e meia faço um esforço para parar, olhar para o lado e dizer: CACETA, estou aqui no Oriente Médio!!!
Mas como cheguei até aqui?
Tudo bem, tudo bem... Sei que mais de 99% dos meus leitores já devem ter me ouvido contar essa mesma história pelo menos umas 3 vezes, mas para que eu mesmo possa lembrá-la quando minha memória falhar vou tentar descrever como vim parar aqui, escrevendo coisas em uma sala de uma casa num condomínio imenso no meio do deserto, a 3o quilômetros de uma cidade árabe que vive uma metamorfose extrema e constante, meu lar nos últimos 19 meses.
Bom, tudo começou no começo de 2004. Na época eu trabalhava na Grottera (tudo bem que a agência na época chamava TBWA, mas nunca deixou de ser Grottera). Um dia num momento de tranquilidade eu parei para dar uma olhada numa revista de propaganda - a Archive.
Para a maioria dos publicitários a Archive não é uma revista, é um gênero alimentício. A revista é um forum aberto para toda a forma de propaganda, a maioria fantasma - ou especulativa, como gostam de dizer os especialistas. Lá você encontra dezenas de anúncios despirocados, que nem o filho drogado do cliente aprovaria. Também encontra algumas pérolas, idéias magistrais. Mas a grande maioria é de idéias quase lisérgicas.
O que eu encontrei também foi um anúncio quase tão louco como todos os outros - só que este era verdadeiro e não estava sendo publicado pela revista - era um anunciante real, pagando para ter sua mensagem publicada pela revista.
Pensando bem o anúncio era bem comum. Mas a mensagem que ele trazia era muito radical: uma empresa de Headhunting especializada em levar profissionais de propaganda para o Oriente Médio!
Interessante. Ah, tem até um website, pensei. Um dia desses dou uma olhada.
Abro um parênteses para falar um pouquinho da vida de um profissional de criação em São Paulo. Você trabalha muito, faz muita porcaria, raramente faz um anúncio bom, ganha prêmios com anúncios fantasmas, almoça em restaurantes caros com outros amigos publicitários, trabalha ainda mais, fala de propaganda, fala para todo mundo que está do caralho trabalhar no lugar onde você está trabalhando e que só faz coisa boa.
Aí seu amigo que está almoçando com você no restaurante caro e falando de propaganda fala: tá legal mesmo? Pena porque estão procurando alguém lá em tal lugar...
Aí você vira e diz: Sério??!!! Caceta, estou com meu portfolio pronto, vou ligar para todo mundo lá. Você me apresenta alguém? Tem como me indicar? Preciso sair do lugar onde estou! Odeio todo mundo lá! Não aguento mais fazer só coisa ruim!!!
Simples assim.
Aí começa o parte do processo mais mambembe do nosso negócio: mostrar a pasta, ou portfolio.
Portfolio nada mais é que uma pasta, CD, apresentação de Power Point, website ou coisa que o valha que mostre o trabalho do profissional de criação para seus potenciais empregadores.
Você arruma a tal entrevista e vai falar com uma pessoa que geralmente não conhece você, que não quer ver você e que não tem tempo para ver você. Você vai lá todo submisso e faz um monte de truques, tipo um poodle amestrado, para conseguir a atenção do indivíduo que pode te contratar ou falar de você para a pessoa que pode contratar. Em geral não dá em nada e é um tanto constrangedor, mas de vez em quando você conhece umas pessoas excelentes. O que acontece na maioria das vezes é que a pessoa com quem você falou fala que não tem nada para você e te passa uma lista de outras pessoas para você conversar em outras agências - e o processo continua até que você esteja no lugar certo na hora certa e, muito raro, falando com a pessoa certo. As chances de um meteoro atingir o planeta Terra são melhores.
Fechando parênteses.
Por isso saber que existem EMPRESAS de headhunting que fazem profissionais de criação arrumarem empregos era um conceito totalmente alienígena para mim.
E ainda mais profissionais de criação para o Oriente Médio.
Meses depois eu tive mais um momento de ócio e pensei: Hey (olha eu pensando em inglês), onde é mesmo que eu vi aquele anúncio louco sobre o Oriente Médio?
Depois de procurar em algumas edições da tal revista eu encontrei o tal anúncio. E com ele o website. Viva a internet!
Vamos dar uma olhada...olha só, tem até um formulário para preencher e enviar com algumas amostras de trabalho...
Num campo eles perguntavam: Lugar onde gostaria de trabalhar.
Eu não sabia quase nada sobre o Oriente Médio, a não ser que o lugar era um Barril de Pólvora (desculpe por essa, Lázaro). E que tinha alguns lugares interessantes e exóticos.
Mas sabia de um lugar que parecia interessante: Dubai (acho que era esse o nome). Um lugar meio diferente no golfo Pérsico.
Pois é, naquele campo coloquei Dubai.
Terminei de preencher o tal formulário, adicionei uns anúncios e mandei.
Não vai virar nada, pensei. Mas pelo menos foi divertido.
Empresa de headhunting para propaganda...AHAHAHAHA
O resto eu conto depois porque vou comer tacos na casa de uns amigos...mas acho que uma boa parte de vocês já sabe o que acontece...